9.6 C
Porto
14 C
Lisboa
15.9 C
Faro
Sexta-feira, Fevereiro 7, 2025

A Cozinha é uma viagem pela vida – Por José Paulo Santos

As mais lidas

José Paulo Santos
José Paulo Santos
Professor, Poeta e Formador

Desde que me lembro, a gastronomia, tal como a Poesia, foi sempre mais do que uma simples necessidade; foi uma paixão ardente, uma forma de arte que me permitiu explorar o mundo a partir da minha cozinha. Cozinhar é como viajar sem sair do lugar e cada prato que recrio é uma nova aventura, uma nova emoção que se mistura aos sabores e aromas. Nigel Slater, escritor inglês dedicado à gastronomia, fanático e apaixonado pela cozinha, no seu livro “A Thousand Feasts”, descreve esta sensação de criar na cozinha como “um momento de alquimia onde o quotidiano se transforma em algo divino”. E com os dois grandes guias dessa jornada culinária, Jamie Oliver e Chakall, parto em viagem sempre sem destino.

Quando olho para a minha cebola a ser cortada, sinto-me como um artista a preparar a sua tela, pronto para dar vida a uma nova obra-prima. Jamie Oliver, com o seu estilo descontraído e sempre a sorrir, parece dizer-me: “Vamos lá, não há regras! Corta, mistura, arrisca!” E é verdade, a cozinha deve ser um espaço de liberdade, onde a criatividade pode fluir como um bom vinho a ser descoberto. As suas receitas são como manuais de viagem, cheias de dicas e truques que nos fazem rir enquanto aprendemos a amar a simplicidade dos ingredientes frescos.

Por outro lado, Chakall, que conheço pessoalmente e com quem já tive o privilégio de cozinhar na casa dele, traz um toque de aventura com o seu estilo vibrante e exótico. Ele transforma cada prato numa festa de cores e sabores, de música e dança, desafiando-me a experimentar especiarias que nunca pensei usar. Recordo-me, também, da primeira vez que provei um cuscuz tunisino preparado com mestria. O calor do harissa e o perfume do coentro fresco transportaram-me para os mercados de Tunes, onde as cores vibrantes e os aromas intensos contam histórias pela voz de uma culinária milenar. O cheiro dos cominhos, da curcuma ou da canela é como uma passagem direta para terras distantes, onde as culturas se encontram à mesa. Aqui, aprendi a respeitar as tradições, a história que cada ingrediente carrega consigo, e o que é mais importante: a partilha de uma refeição é uma forma de celebrar a diversidade.

Deambular pelo mercado é uma das minhas partes favoritas da semana, com amor de mão dada, ao sábado. É como um safari gastronómico, onde cada banca de legumes e frutas é uma nova descoberta. A escolha cuidadosa dos produtos frescos é quase uma meditação, um ato de amor pela culinária. As batatas-doces, vibrantes como o pôr-do-sol, as cenouras com as suas cores alegres e o tomate maduro que parece ter sido colhido diretamente do coração do verão. Cada um deles conta uma história e eu sou apenas um contador, pronto para recriá-las no prato.

Nos tempos em que vivi na Praia, em Cabo Verde, as visitas ao mercado do Plateau eram um ritual cheio de vida e cor. Conversava e ria com as vendedoras, mulheres de gargalhadas genuínas e histórias infinitas, enquanto o cheiro das frutas tropicais e dos legumes frescos preenchia o ar. Escolher a melhor mandioca ou manga era quase um pretexto para ouvir as suas recomendações e sentir aquele calor humano que só um mercado africano consegue oferecer. Voltava para casa com os sacos cheios, a música de Cesária Évora a embalar o momento e passava horas na cozinha, transformando aqueles ingredientes em pratos repletos de alma e memória.

E como não falar da nossa gastronomia portuguesa, tão elogiada pelo mundo? Com o bacalhau preparado de mais de mil maneiras, o cozido à portuguesa, os pastéis de nata e o vinho do Porto, nós ocupamos um lugar especial no ranking mundial da gastronomia. O fado pode ser a alma do nosso país, mas a comida é certamente o coração. Saborear um arroz de marisco com os aromas do Atlântico ou um simples prato de sardinhas assadas é recordar que a nossa cozinha é também poesia servida à mesa. Como diz Nigel Slater, “há um tipo de cozinha que não precisa de palavras, apenas de uma mesa cheia e corações abertos”.

O prazer de conjugar especiarias é, sem dúvida, um dos maiores prazeres que a vida me deu. Ao misturar sabores, sinto-me como um alquimista, transformando ingredientes comuns em algo extraordinário. Nigel Slater descreve esse momento como “o instante em que a cozinha nos devolve às memórias mais simples, mas também mais preciosas”. E é verdade: uma pitada de sal é um aperto de mão entre o mar e a terra; o mel é o beijo doce da natureza. O trabalho de Jamie e Chakall inspira-me a experimentar e a rir enquanto me atrevo a adicionar uma pitada a mais de pimenta ou uma colher de mostarda e mel que transforma tudo. Porque, no fundo, cozinhar deve ser divertido – uma dança entre o caos e a criação.

Num momento de pura felicidade, sento-me à mesa com quem amo, com amigos e família, prontos para degustar o que criei. Às vezes, um prato pode correr menos bem, mas a risada que isso provoca é o que realmente importa. A cozinha é um espaço de partilha, de amor e de risos – e, como bem diria Jamie, “a vida é demasiado curta para cozinhar sem alegria!”

jose luis sotto mayor
Com o chef José Luís Sotto Mayor e os Poetas Fernando Pinto do Amaral e José Paulo Santos, durante um almoço, Senhora da Saúde (Sever do Vouga), Agosto 2024. NO Restaurante Cantinho da EnCosta, onde o Sotto Mayor é o Chef.

Por fim, não posso encerrar esta reflexão sem homenagear um grande Chef e amigo, José Luís Sotto Mayor. Ex-Chef da Adega Monhé, em Santa Maria da Feira, e atualmente no restaurante Cantinho da EnCosta, na Nossa Senhora da Saúde (Vale de Cambra), Sotto Mayor é mais do que um cozinheiro – é um criador, um Poeta de pratos gastronómicos que transpiram amor, criatividade e originalidade. Humanista e imensamente genuíno, ele ama as pessoas com verdade e respeito, confeciona com alegria e aromas, oferecendo o coração e a alma em cada gesto. Quem tem o privilégio de provar as suas criações sente não só o sabor, mas também a dedicação e a paixão que ele coloca em cada prato. Sotto Mayor abraça-nos com a mesma entrega com que cozinha, criando experiências gastronómicas que nos fazem acreditar que, no mundo, ainda há lugares e pessoas que nos alimentam o corpo e o espírito.

Assim, entre panelas e tachos, entre risos e experiências, a gastronomia torna-se uma forma de estar no mundo. É uma viagem que nunca acaba, repleta de emoções, descobertas e, claro, pratos deliciosos. Com cada nova receita, descubro não só sabores, mas também um pouco mais de mim mesmo, sempre com a companhia dos meus Chefs favoritos.

Vamos juntos, sempre à procura do próximo prato que nos faça sorrir e que nos lembre que, no fundo, cozinhar é amar, enquanto abrimos um bom vinho e ouvimos no ar “someone like you”, pela voz de Van Morrison.

- Publicidade -spot_img

Mais artigos

- Publicidade -spot_img

Artigos mais recentes

- Publicidade -spot_img