O prazer de estar. Deleito-me na escuta com prazer. Do outro lado das palavras, escuto as emoções e os sentimentos de quem fala. Perscruto a Alma de quem protagoniza as breves histórias de vida. Sinto a vibração da luz do outro lado de quem fala. Sabe-me tão bem escutar quem fala com luz. Gestos e mímicas e olhos de alegria ou de tristeza. Todos nós gostamos de ser escutados. Somos feitos de pequenas narrativas adormecidas para quem deseja despertar-nos. E há pessoas-despertadores. Há gente que nos acorda e se apronta para estar. Estar simplesmente ali de Alma aberta com toda a paz e eterna vontade de ser esponja. Amo quem escuta e escuto quem ama. Haverá outro modo de amar?
José Paulo Santos
Vivemos numa era de ruído incessante, de palavras que se atropelam, de opiniões que gritam umas sobre as outras em busca de supremacia. No entanto, no meio deste caos sonoro, subsiste uma arte quase esquecida, uma virtude silenciosa e profundamente humana: a capacidade de escutar.
Escutar não é o mesmo que ouvir. Ouvir é fisiológico, automático, muitas vezes desprovido de intenção. Escutar, por outro lado, é uma escolha deliberada, um ato de entrega, de respeito e, acima de tudo, de amor. Escutar exige empatia, tolerância, paciência, sensatez e um carinho especial que escapa ao ritmo frenético dos nossos dias. Requer um abandono da pressa e, mais importante, da necessidade de julgar.
Os verdadeiros mestres da escuta não escutam para responder. Não procuram intervir, contrariar ou aconselhar. Eles estão presentes, tão profundamente ancorados no momento que conseguem acolher a alma do outro sem distrações. Escutam as palavras, sim, mas também o silêncio entre elas. Sentem o peso das pausas, o tremor de uma voz que tenta conter as lágrimas, o significado implícito de um suspiro. E fazem tudo isso com ternura, serenidade e uma voz baixa que acalma e pacifica o coração do outro.
A empatia é a espinha dorsal deste processo. Escutar é despir-se do ego, é adiar o julgamento para permitir que o outro seja plenamente humano diante de nós. Quem escuta com profundidade acolhe as emoções como um jardineiro que recebe a chuva: sem rejeição, sem pressa, apenas permitindo que o que precisa de ser dito encontre o seu solo.
Mas escutar, na sua plenitude, está também profundamente entrelaçado com a arte de observar. Observar com carinho, com ternura, sem pressa e sem preconceitos. Ver para além das palavras, intuir o que os gestos e olhares revelam, sentir a alma do outro sem impor a nossa. Observar é uma forma de escuta silenciosa, uma maneira de compreender que a opinião do outro lhe pertence, mesmo quando é contrária à nossa. Não há problema nisso. Pelo contrário, há uma beleza imensa na diversidade das vozes e na riqueza das diferenças, desde que saibamos acolhê-las com sensatez e respeito.
Há uma sabedoria maior em quem sabe escutar e observar, em quem consegue intuir o não dito e reconhecer que cada ser humano carrega consigo um universo único de experiências, emoções e visões. Estes seres raros compreendem que, muitas vezes, as palavras não são pedidos de solução. Elas são, antes, caminhos para aliviar a solidão, pontes entre corações que necessitam de ser vistos e compreendidos. Escutar é um ato de amor, porque implica aceitar o outro tal como ele é, sem a imposição de transformar ou corrigir. É oferecer carinho e criar um espaço onde a paz e a compreensão possam florescer.
Mas há ainda um paradoxo cruel que merece reflexão: tantas vezes somos capazes de enaltecer as palavras de desconhecidos, admirando a sua inteligência e perspicácia, mas falhamos em escutar os que mais nos amam e que estão mais perto. Valorizamos opiniões que surgem de longe, mas ignoramos os sentimentos daqueles que partilham a nossa vida, dia após dia. Esta negligência é um reflexo da distração e da falta de presença que nos consome. Talvez porque escutar quem amamos exija mais coragem, mais entrega. É enfrentar as suas dores, as suas alegrias, e, por vezes, o espelho de nós mesmos que as suas palavras nos devolvem.
Precisamos, portanto, de mostrar a nossa admiração, consideração, carinho e respeito por todos, mas, acima de tudo, por aqueles que caminham ao nosso lado todos os dias. É nesses gestos de atenção e reconhecimento que reside a verdadeira conexão humana. Como disse o filósofo Emmanuel Lévinas, “O respeito pelo outro é o princípio primeiro da ética”. Escutar é, assim, um ato ético, uma escolha consciente de valorizar a humanidade que nos rodeia.
E para aqueles que são sequiosos de serem escutados, mas que nunca param para escutar, há uma lição vital a aprender. A escuta começa com o silêncio interno, com a decisão de dar espaço ao outro sem esperar nada em troca. É um exercício de humildade e amor. Para aprender a escutar, é necessário praticar a presença: desligar os ruídos internos, abandonar a urgência de falar e simplesmente estar. Observa o outro como um quadro vivo, presta atenção aos detalhes da sua expressão, às mudanças no tom de voz, ao ritmo da sua respiração. Faz perguntas que mostrem interesse genuíno, mas não para guiar a conversa, e sim para mergulhar mais profundamente no universo que o outro partilha contigo.
Por outro lado, aqueles que não sabem escutar revelam algo mais profundo do que uma simples falha de habilidade. Revelam um desrespeito pela essência do outro, um desprezo pela alma alheia e uma incapacidade de valorizar a vida que pulsa fora de si mesmos. Como escreveu Arthur Schopenhauer, “aquele que não consegue ver para além de si mesmo vive numa prisão construída pelo ego”. Não escutar é aprisionar o outro na indiferença, é roubar-lhe a dignidade de ser ouvido. É, no fundo, negar-lhe a humanidade.
Num mundo que valoriza tanto a voz, é urgente reaprender a valorizar o silêncio. A escuta profunda é um resgate da humanidade em tempos de indiferença. É um gesto revolucionário num contexto onde se compete por atenção e onde, ironicamente, cada vez menos nos sentimos escutados, sublinho: escutados!
Convido-te, então, a um desafio. Da próxima vez que alguém te dirigir a palavra, escuta. Mas escuta de verdade. Não formules respostas enquanto o outro fala, não esperes pela tua vez para contra-atacar com a tua opinião. Sê uma presença atenta, um reflexo da sabedoria que reside em simplesmente estar. Observa também. Nota os detalhes, as hesitações, o que não é dito, mas sentido. Talvez, nessa experiência, descubras algo de profundamente transformador: a verdadeira essência da compreensão.
E, ao escutar o outro, perceberás que estás também a escutar-te a ti mesmo. Porque é na empatia, na observação, no silêncio e no amor que habitam as maiores verdades da condição humana.
Professor, Poeta e Formador