A liberdade deve ser comemorada, respeitada e defendida todos os dias. A qualquer momento, num instante de distração, pode ser roubada. Depois, difícil de recuperar. E nunca serão excessivas as homenagens a quem deu a vida por ela. Quem perdeu a sua para que tenhamos a nossa, merece gratidão. Que a demonstremos, pelo menos, uma vez por ano – no dia 25 de abril.
Há quem entenda o 25 de Abril de forma sectária. Confunda a data com o PREC e todos os tumultos inerentes a uma passagem de poder. Certos partidos arvoraram-se em “donos” de uma data que é de todos nós. Mesmo daqueles que fazem questão de dizer que não a comemoram. Foi o 25 de Abril que lhes deu a oportuniudade dizer publicamente com o que concordam e discordam.
Estes refratários de “Abril” teimam no “25 de Novembro”, que é , afinal, uma consequência lógica, uma afinação, por assim dizer, do processo democrático. Sem “Abril” não havia “Março”, “Novembro”, apenas a perpetuação de um regime ditatorial estagnado, refém da polícia política e de uma guerra colonial inaceitável para um país europeu. Até a desonrar “Abril”, “Abril” permitiu!
Quem teve o privilégio de viver o 25 de Abril “ao vivo”, na rua, entendendo-o, não se deixa levar pelas ideias matreiras, manipuladoras e totalmente distorcidas, desfasadas, que por aí abundam com o fim simplista de reescrever a história. E nós sabemos que, após adquirida a liberdade, houve exageros, tentativas de tomada do poder por forças totalitárias. Spinolistas, comunistas, fascistas, marxistas-lenistas, maoístas, trotskistas; todos à procura de um “lugar ao sol”. O reformismo de costas voltadas à revolução. E bombas, sedes de partidos de esquerda saqueadas e incendiadas. Explosões fatais em automóveis, jornais e outros orgãos de comunicação social ocupados. Rajadas de tiros na “António Maria Cardoso” tiraram a vida a cinco jovens. Perturbações graves em comícios. Houve COPCON, SUV, mas também ELP, MDLP, Partido do Progresso, MIRN, Agência Aginter, CIA, KGB, CODECO. Projeto Maria da Fonte, Brigadas Revolucionárias, Rede Bombista do Norte. Enfim, muita confusão. E as FP25, mais tarde, o último bastião do terrorismo político. E o drama vivdo pelos Retornados das ex.colónias. Fiquemo-nos pelas siglas, deixando de lado os atos ignóbeis e nomes dos responsáveis, pois alguns ainda andam pela democracia em alegre passeio. Tal como os “guarda-costas” de líderes dos partidos que, por essa altura, nasciam todos os dias. E o episódio da bomba que explodiu no avião onde viajava Sá Carneiro ficou esquecida num canto da memória coletiva. Tudo isto foi o pós-Abril. Não foi o 25 de Abril.
A nós, cidadãos comuns, interessa-nos o momento, o ponto de inflexão. O dia em que o vizinho da frente, o dr. Fragoso, que tinha uma visão social diversa do “status quo, era, frequentemente, incomodado às 6 ou 7 da manhã, por dois senhores de sobretudo preto, passou a viver tranquilo; do senhor António, do rés-do-chão lá do prédio, jornalista, e que não podia escrever no jornal que “um homem, com cerca de 40 anos, suicidara-se, atirando-se da Ponte de Luis I para as águas do Douro“; teria de escrever “ia a passar e caiu ao rio”. Ou, então, não podia publicar. A verdade era impublicável, mas deixou de o ser. E o filho da D. Hermínia já não iria para a Guiné, para a Guerra, local para onde fora destacado. As crianças das aldeias transmontanas (e não só) passaram ter sapatos para ir à escola. E um pequeno almoço digno. Todos passaram a ter estatuto de cidadãos.
As paredes “tinham ouvidos”. O respeito não saía de uma boa formação ou de valores incutidos, era filho do medo, de tudo, de todos. Jornalistas, mulheres, pessoas mais débeis e gente com espírito crítico, as vítimais maiores de um regime que terminou na quinta-feira, 25 de abril de 1974.
O 25 de abril que comemoramos, nós, a gente comum, é esse. O que nos permitiu estar agora aqui, a partilhar ideias. A liberdade de expressão do pensamento é uma necessidade. A cidadania, o associativismo, o contraditório e o direito à diferença, crescem alicerçadas nela. E são as paredes mestras da democracia.
50 anos é quase uma vida inteira. Não admira, pois, que muitas e muitas, nascidos e nascidas em liberdade, ignorem o facto, dos mais importantes da nossa História Contemporânea. Que nem lhes passe pela cabeça – não sei se passa – que foi sempre assim. Tivessem vivido nos tempos de ditadura, nas escolas, universidades, fábricas, repartições públicas e, com certeza, tal como nós, iriam defendê-la com todas as forças. Sem liberdade, a vida não faz sentido.
Jornalista