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Quinta-feira, Abril 24, 2025

Dores de Crescimento

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Animais (s)em casa

Durante a minha citadina infância, não era raro ver cães e gatos deambulando pelas ruas, sem casa.

Nós víamos porque também vivíamos na rua, brincando ao ar livre, nos jardins, pátios, mesmo em pleno arruamento, por vezes. Em jogos animados, cheios de movimento.

Nas traseiras dos prédios, por cima dos telhados das garagens e pequenos edifícios de arrumações, garbosamente se passeavam gatos e gatas. Estas, por vezes, pariam por ali e não era raro que alguém se encarregasse de dar cabo dos recém-nascidos. A maior parte das vezes, por afogamento ou asfixia, fechando as pequenas crias em sacos de plástico mandados para os caixotes de lixo.

Pelos passeios fora surgiam pequenos rafeiros farejando em busca de comida. Vinham e iam, partiam, desapareciam, não sei para onde. Quase sempre sozinhos; por vezes formando matilhas que causavam agitação e medo, com comportamentos agressivos e ali mesmo copulando, havendo cadela com cio. Para nós, miúdos, era estranho. Não percebíamos o ato mas adivinhávamos qualquer coisa que envolvia o sentimento de vergonha.

Havia, claro, quem tivesse “animais de estimação”. Viviam sobretudo em casotas, acorrentados, fechados em compartimentos, sem conviver com as famílias proprietárias. Eram coisas que se tinham como quem tem um automóvel ou uma televisão.

Os animais não eram questão. Não havia filosofia que refletisse sobre a sua existência nem quem se preocupasse com o seu bem-estar, de forma abstrata. Os cuidados eram individualizados. E mínimos.

Hoje, além de leis sobre o modo de tratar os animais de companhia, existe uma disciplina filosófica que se designa por “Ética Animal”. (Pessoalmente, considero que se diria melhor do que trata se lhe chamássemos “Ética para com os Animais”, pois somos nós, animais humanos, que pensamos agora com profundidade sobre o comportamento correto que devemos adotar para com os outros animais).

Dedico boa parte do meu tempo à leitura e reflexão pessoal sobre este problema. E não me pacificam as cogitações que realizo. Não encontro coerência no facto de constatar a existência das cadeias alimentares e preferir não comprar, nem cozinhar, nem ingerir alimentos que contenham carne (dada a senciência – capacidade de sentir – dos mamíferos).

E não sei se tem fundamento o sacrifício a que a minha família se sujeita ao coabitar com cinco mamíferos que foram abandonados e depois adotados por nós: passando por cima da questão das inevitáveis e abundantes despesas, será correto, para mim e para os meus familiares, sujeitarmo-nos a conviver com pelos a pulular por todos os sítios, maus cheiros, tarefas de limpeza que nos roubam (roubam?) tempo e energia?

Serão eles, bichos adotados, mais felizes aqui, connosco? Seriam mais felizes, mais “naturais”, aqueles que circulavam por telhados e ruas, na minha infância? E os maus-tratos de que eram, muitas vezes, vítimas?

Apedrejados, queimados, atropelados, violentamente colhidos pelas carrinhas camarárias que os levavam para os canis, onde eram (são?) eliminados quando há (quando é que não há?) excesso de “residentes”?

A nossa relação com os (outros) animais requer prolongadas reflexões, demorados e cuidadosos debates. A este tema voltarei.

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